quinta-feira, 1 de julho de 2010

RECORDAR É VIVER!!
Vereadores usam eventos para receber além do limite

Alugar ou não um par de tênis? A dúvida inquietou o vereador Márcio Arruda antes de embarcar no veleiro. A princípio, ele achou graça do menino que alugava os calçados para turistas no porto, mas ao perceber que todos pegavam o seu par, resolveu fazer o mesmo. Uma hora depois, ao cair na água durante o passeio à formação de corais e recifes no mar de Porto Seguro, concluiu que fizera bom negócio.

- Sem o par de tênis, teria cortado os pés nos corais.

Esta é a única cena guardada na memória do vereador sobre os quatro dias passados em Porto Seguro, em junho de 2005. Levando no bolso R$2,7 mil em diárias pagas pela Câmara Municipal de Petrópolis, ele participou do XXXI Congresso Brasileiro de Municípios. Márcio Arruda é um campeão de viagens. De acordo com os auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE), foram 17 delas em apenas dois anos. A lista faz parte de um conjunto de relatórios do TCE sobre gastos irregulares com o pagamento de diárias a vereadores. Os auditores concluíram que as viagens - muitas delas sem comprovante - tornaram-se uma forma disfarçada de complementação salarial nas câmaras de vereadores.

Para circular, entre março de 2005 e junho do ano seguinte, por 11 capitais e duas cidades turísticas brasileiras, representando Petrópolis em eventos obscuros como o X Encontro Brasileiro de Agentes Públicos (Curitiba, 7 a 10 de abril de 2006), Arruda gastou R$50 mil em diárias. O dinheiro representou 70% da remuneração paga a um vereador de Petrópolis (R$71,5 mil) durante um ano inteiro.

- Eles quiseram me transformar no campeão, mas eu não sou nem o Schumacher e nem o Barrichello - reage o vereador, que acusa os seus próprios pares, na Câmara, de inflar as suas viagens para esconder as outras.

Diárias motivam agenda turística

Os relatórios do TCE, baseados em inspeções nas duas últimas legislaturas das câmaras fluminenses, mostram que o caso de Márcio Arruda não é isolado. O uso de diárias para burlar os limites legais de remuneração nas câmaras movimenta uma indústria de eventos especializada em vereadores. De setembro até o fim do ano, só uma das empresas promotoras envolvidas no esquema fará mais de 30 congressos e seminários pelo Brasil.

O relatório sobre a Câmara de Petrópolis constatou que só um dos 15 vereadores da cidade não viajou entre 2005 e 2006. Como o TCE concluiu que os gastos foram injustificados, os vereadores terão de devolver R$409 mil.

- Os eventos são necessários porque trocamos experiências com outras câmaras e sempre vamos nos atualizando - alega o presidente da Câmara, Luiz Fernando Rocha.

Os eventos, geralmente em cidades de apelo turístico, oferecem palestras sobre temas ligados à rotina dos vereadores, como responsabilidade fiscal e fiscalização. Mas há casos curiosos, como demonstra o relatório de inspeção na Câmara de Nova Friburgo. Os auditores descobriram que, entre as despesas ilegais, o dinheiro público foi usado para pagar a presença do vereador Jorge de Carvalho e o servidor Rivaldo de Oliveira Veras em seminário que discutiria a revisão de subsídios para os próprios vereadores.

"Desrespeito ao dinheiro público"

Viagens não comprovadas (o que reforça a suspeita de que vereadores receberam sem viajar), viagens de assessores (os auditores suspeitam que alguns vereadores viajaram na companhia de parentes), diárias usadas no deslocamento de pacientes para hospitais de outras cidades e diárias distribuídas com freqüência (indicando o seu uso como salário) foram algumas das situações verificadas nas inspeções do TCE.

Em Piraí, no Vale do Paraíba, a Câmara foi condenada a devolver diárias pagas durante o período de recesso legislativo em 2005. Em Teresópolis, relatório de inspeção mostrou que a Câmara utilizou as diárias para incremento da remuneração de coordenadores, comissionados e assessores entre 2001 e 2003. Dois presidentes do período terão de devolver R$1,3 milhão.

- Isso é um desrespeito absoluto ao dinheiro público, principalmente com a população que vive de salário - lamenta o comerciante José Luiz Lima, dirigente do Instituto Civis, organização que luta pela ética na política em Petrópolis.

O ex-vereador paulista Sebastião Misiara, presidente em exercício da União de Vereadores do Brasil, disse que vai solicitar uma audiência com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Walton Alencar, em busca de uma providência contra a indústria de eventos:

- Em São Paulo, os eventos foram regionalizados e não há deslocamentos. Só recebe certificado aquele que ficar do começo ao fim.

Uma das empresas mais atuantes neste mercado, o Instituto Brasileiro de Apoio aos Municípios (Ibram), de Sergipe, já programou 31 eventos até dezembro. Todos têm como público alvo prefeitos, vereadores, assessores e servidores municipais. De maio a agosto deste ano, o Ibram organizou mais de 20 eventos do mesmo tipo.

- Essas pessoas são sérias e não se prestariam a participar de um evento ilegal. Não há como assegurar a participação dos inscritos em todas as atividades do evento. Elas são livres para fazer o que quiserem - argumenta o diretor do Ibram, Jânio Costa.



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